sexta-feira, maio 18, 2007

DESPACHOS LEGAIS ou CAPTURA DO ESTADO?

Carta aberta à Sra Ministra da Justiça do Governo de Moçambique

Exma Sra Ministra.

Tivemos conhecimento através dos meios de comunicação social que foi concedida personalidade jurídica à Associação Conselho Nacional dos Grupos de Vigilância Pública de Moçambique, por despacho da Sua Excia Ministra da Justiça, de 22 de Dezembro de 2005.

(Ver extracto ou parte do despacho no jornal Savana de 27 de Abril de 2007, Ano XIII, N° 694, pág. 2.)

Face a isto, o despacho já foi largamente alvo de críticas por diversas esferas da opinião pública moçambicana, por proeminentes políticos e juristas, em destaque Advogado e parlamentar Máximo Dias; o advogado Custódio Duma, da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos; o políticos Fernando Mazanga, Yá Qub Sibindy e outros.

Os principais pontos de contestação foram: a faculdade da Associação usar armas de fogo e deter em flagrante delito.

Sra Ministra, reconhecemos o seu grande mérito de ser uma governante excelente, que tanto tem trabalhado para o bem comum. Por isso agradecemos o seu esforço de tentar estancar a onda de criminalidade que assola o país. Temos de elogiar ainda os objectivos que Associação Conselho Nacional dos Grupos de Vigilância Pública de Moçambique preconiza no artigo 5° do seu Estatuto. Até que não são maus.

Contudo, Sra Ministra terá de reparar o seguinte:

Primeiro: Já nos primeiros anos da independência houve os chamados grupos de vigilância pública, que cometeram vários atropelos aso direitos individuais dos cidadãos e que por isso foram extintos. Estes grupos deixaram uma terrível mancha negra na memória do povo moçambicano.

Em segundo lugar: Estamos numa fase em que o próprio Estado está sendo desacreditado e desestabilizado pela crescente proliferação do crime organizado. O próprio Procurador Geral da República já reconheceu perante os nossos parlamentares que o Estado é incapaz de estancar o crime organizado. Sendo assim, a associação a que Sua Excia concedeu personalidade jurídica, não passará nada mais do que um bando de criminosos, mas desta vez com a anuência do governo. De facto, pouco se saberá ou se comprovará sobre a sanidade mental dos membros desses grupos. E onde estão os membros deste grupo? São pessoas idóneas?

Terceiro: Já existem casos sérios de atropelo de direitos individuais dos cidadãos pelos membros do policiamento comunitário. Já está comprovado que vários dos membros dos grupos de policiamento comunitário são criminosos, torturam pessoas nas ruas, exigem identificação às pessoas, apoderam-se de bens das pessoas e fazem cobranças ilícitas. E para “os grupos de vigilância” que se criou, a situação será diferente?

Quarto: O objectivo invocado no artigo 5°, alínea g) do Estatuto da ACNGVPM é desnecessário. A nossa lei processual penal já confere poderes para qualquer pessoa do povo prender em caso de flagrante delito. E agora? Pretende-se privatizar ainda este poder geral?

Quinto: Dentro do espírito da lei 8/91 de 18 de Julho, que Sua Excia invoca no seu despacho, não é de aceitar esta associação. Aliás porque a lei preconiza que a criação de uma associação não deve ofender a moral e ordem públicas. Sra Ministra, criar uma associação com poderes para usar armas de fogo ë ofender a moral pública, é criar desestabilidade e intranquilidade, é criar mais distúrbios.

Sexto: Ainda mais que está claro na consciência de todos os moçambicanos e também na orientação geral do nosso ordenamento jurídico que o uso da força ( por maioria da razão o uso de armas de fogo), é um poder exclusivo do Estado. Só o Estado é que possui este poder, salvas algumas excepções previstas na lei.

Sétimo: Em adição à isto, é um princípio geral e constitucional implícito que o poder que a Sra Ministra concede à ACNGVPM é um poder exclusivo da polícia da República de Moçambique.

Sra Ministra, ficamos ainda mais tristes por saber que é jurista de profissão e que hoje no poder já não pode analisar de fundo o espírito do nosso ordenamento jurídico.

O surgimento da ACNGVPM só nos fará recordar a GESTAPO alemã que tinha sido criada para eliminar adversários políticos e judeus. Não será essa a intenção da ACNGVPM?

Não só, Sra Ministra, na sua qualidade de jurista não poderia proferir tal despacho. Em condições normais isto não deverá acontecer assim. Se assim foi, teremos necessariamente de pensar que a Sra Ministra se compadece com o crime organizado ou porque dele tira proveito. Não estará a Sra Ministra a desacreditar o Estado neste termos? Ou porque mais uma vez o nosso Estado foi capturado pelos elementos do crime organizado?

Em conclusão: Sem querer lhe tirar o seu mérito de ser jurista, Sra Ministra, o seu despacho é ilegal e inconstitucional. Esperamos que o Conselho Constitucional se pronuncie sobre isso.

2 comentários:

Carlos Serra disse...

Coloquei uma postagem no meu blogue a propósito da sua carta aberta. Abraço!

Paula Araujo disse...

Foi um prazer ter encontrado o seu blogue.
Paula